Viagem para dentro
Esses primeiros meses em São Paulo têm sido importantíssimos. Parece que voltei para desatar alguns nós e entender o que penso, sinto e sonho. O primeiro passo para isso foi a Orientação Intercultural, um trabalho muito interessante do Instituto de Psicologia da USP voltado a estrangeiros, filhos de estrangeiros e pessoas indo ou vindo do exterior.Entender alguns pontos comuns a todo estrangeiro tem sido fundamental para retomar as forças. Um deles é a aversão ao rótulo.
- Ah, mas você é turco?, rotula o Zé Ruela, como se a nacionalidade viesse antes de tudo.
- Armênio, responde o homem.
- Turco, armênio, libanês, é tudo a mesma coisa, brinca o Zé Ruela.
Meus caros, vocês não imaginam como esses comentários cansam. Sabe quando você está no exterior e alguém vem falar em espanhol ao saber que você é do Brasil? Irrita, não? Agora imagine isso o resto da sua vida! Pois é, então pense nisso antes de falar bobagens. Folhear o Atlas também é bastante recomendável.
Outra coisa bem mala é perguntar de onde a pessoa é, de primeira, antes mesmo até de questionar o nome.
- Você é japonesa, né?, perguntou uma mulher para mim.
Antes que eu respondesse, a outra disparou.
- Claro que é, não tá vendo o cabelo dela?
Agora digam: é ou não é de dar nos nervos?
Há também aqueles que ficam chutando. Japonesa? Peruana? Mexicana? Boliviana? Chilena? Paraguaia? Colombiana? Basta eu responder que sou filha de bolivianos para alguém dizer Sabia que você era boliviana! Simples assim, basta a fulana apagar o "filha de" e, pronto, eu ganho outra nacionalidade. Rasguem o RG, tirem meu o título de eleitor. No consenso daquelas comadres, eu não nasci neste país e pronto!
Quem já soltou essas pérolas deve estar achando os meus comentários bem exagerados. Mas quem tem ou já teve contato com as sensações de um estrangeiro sabe bem do que estou falando. Pode parecer simples, mas esse conjunto de questões cotidianas descritas acima se solidificam e formam um perfil bem característico de pessoas que não tocam o chão da maneira que poderiam ou gostariam. E assim vai se formando uma parte considerável de uma sociedade, com gestos, sonhos e dores semelhantes.
Perceber o que motiva alguns impulsos que pareciam isolados é um alento e tanto! De repente, você começa a se reconhecer em outras gerações e isso dá mais leveza às escolhas. Porque nada do que você faz hoje tem o peso que você julga ter. Ainda bem!
4 Comentários:
Poxa Lú, e vc contou metade da história. Tem quando agente vai pra BOlívia, daí ficam nossos primos e tios (com exceção dos heróis de sempre), bem como os trausentes que ouvem nosso sotaque, jogando sobre nós os pecados do Brasil. Lembro que em 1997 estavam começando a assaltar casas e roubaram o carro do tio Chilinco, e o comentário era: "São esses brasileiros que vieram pra estragar as coisas", pior que tinha brasileiro mesmo no meio das gangues, mas e nós com isso? E aqueles estudantes brasileiros de medicina de Santa Cruz que mataram uma menina, sei lá, na época que agente estava lá, e pronto, "São esse brasileiros", com aquele olhar torto. Daí agente vem pra cá e fica tranquilo, somente respondendo que é filho de boliviano, ou boliviano made in Bras, e tudo vai bem (fora a encheção de saco), até que o Evo Morales vai lá e se apossa das refinarias da Petrobrás, e pronto, "são aqueles bolivianos", novamente nos olhando torto. Meu Deus, quando não se tem nacionalidade, porque se paga pelo preço de todas??? Gé!!!!!!!!!
Oi querida Marta! Estive por aqui de novo me deliciando no seu blog. Não sou filha de estrangeiro, mas consigo imaginar lendo o que você escreveu. Eu morei um tempo fora e sei o que é discriminação, principalmente quando vem do povo americano. Eles gostam de se achar os donos do mundo e pensam que nós, latinos, somos uma raça inferior...
Beijos,
Rosana
Gé
Ser estrangeiro ou filho de estrangeiro também tem suas compensações. Quem, por exemplo, em vez de ir ao Guarujá como toda a molecada da escola, viajava no trem da morte para a casa da avó? Só a gente, hehehehehe
Beijos
Pois é, Rosana, estrangeiro sempre passa por essas coisas. Como toda escolha de vida, a vida em outro país tem um preço. Eu pago isso desde que nasci e acho que isso me forteleceu.
Beijos
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