O ladrão cordial
Sérgio Buarque de Holanda já falava do homem cordial em "Raízes do Brasil", de 1936. Nesta semana, tive contato com essa cordialidade. Foi na noite chuvosa de quarta-feira, perto da estação Sumaré. Enquanto eu caminhava pela calçada, um rapaz de bermuda, camiseta e boné se aproximou de mim. Achei que ele queria uma informação. Ele me pediu dinheiro. Pensei que quisesse uns trocados. Foi aí que a ficha caiu.- Me passa o dinheiro e o celular, rápido!
Com uma mão eu segurava o meu guarda-chuvas, com a outra revirava a bolsa.
- Você pode me deixar os documentos?
- Posso, mas vai logo, moça!
Foi aí que veio a gentileza. Para me ajudar a vasculhar os meus pertences com mais rapidez, ele segurou o meu guarda-chuvas. Com uma mão ele apontava a arma. Com a outra, me protegia das pesadas gotas que caíam sobre a cidade. Se ele tivesse uma terceira, talvez me faria um joinha.
Lá se foi o meu velho celular e R$ 70 que eu tinha para pôr créditos no meu bilhete único. Junto com eles, foi um pouco da minha ingenuidade. Desde que voltei ao Brasil, achava que havia ficado paranóica demais. Foram cinco assaltos na minha vida, é verdade, mas de julho para cá, achei que dava para viver bem por aqui tomando os devidos cuidados.
É, dona Marta, bem-vinda a São Paulo. Bem-vinda à realidade!
O ladrão cordial parte II
Conheço uma história melhor ainda sobre banditismo gentil. Aconteceu com uma amiga da minha mãe há alguns anos. Um dia, o filho dela usou o carro da família para ir à casa da namorada. Ao voltar ao lugar onde havia estacionado o veículo, ele se deu conta do furto.
Dias depois, a mãe dele recebe o seguinte telefonema.
- Alô, por favor, a Cleusa?
- Sou eu.
- Oi, dona Cleusa, aqui é o ladrão que roubou o seu carro. Eu achei um extrato bancário em seu nome e vi que a sua conta está negativa. Eu queria devolver o seu carro...
Pouco depois, o carro reapareceu em frente à casa da namorada do filho da Cleusa. Mais tarde, um novo telefonema.
- Alô, dona Cleusa? Eu devolvi o carro. Está tudo direitinho?
- Está faltando o carregador de celular do meu filho.
- Ah, pode deixar que eu devolvo.
O carregador foi encontrado enrolado numa planta do jardim da casa da namorada do filho da Cleusa. Intacto.
A história é tão insólita que virou tema da pecinha das crianças na festa de Natal da família. Tão curiosa que merece ser contada quantas vezes for preciso.
9 Comentários:
★Marta It's your news?
Isso tem cara de Bunda, Bunda Antipático...
Furto solidário. Essa modalidade eu não conhecia. Será que a gente teima em gostar daqui?
Poxa Lú, só faltou ele falar "obrigado" e vc, "volte sempre". Se cuida!!!
Bjs, Gé
Absurdo, absurdo, absurdo! Sao aquelas historias que a gente le e nao sabe se ri ou se chora...
Se cuida, hein!
Lana
Acho que morar no Brasil é, sobretudo, um ato de teimosia.
Beijos
Gé
Faltou a frase "Agradecemos a Preferência" que vem impresso no saquinho de pão.
Beijos
Luh
Obrigada, viu? Eu bem que tento me cuidar, mas às vezes é preciso um colete a prova de balas nesta cidade :-)
Beijos
Oi Marta, seu blog continua uma delícia. beijão
Obrigada, Aninha
Beijos
Lúuuu...
Cada história que só dá pra acreditar porque a fonte é segura !
Caramba !
Surreal !
Patipetista
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