domingo, 29 de julho de 2007

Receita para não passar frio

1) Junte dinheiro
2) Compre uma passagem aérea
3) Faça suas malas
4) Compareça ao aeroporto (essa é a parte mais difícil)
5) Embarque num vôo rumo ao Canadá

Pode parecer brincadeira, mas não é. Em construções de alvenaria sem janelas vedadas da Grande São Paulo, é possível passar frio quando os termômetros marcam ridículos 10 graus. Isto porque a sensação térmica entre paredes úmidas e piso frio fica bem abaixo do que diz a meteorologia.

Outra característica do friozinho inesperado dos trópicos é a constância. Não é como em Toronto, onde passávamos apenas uma pequena parte do dia a temperaturas negativas e vivíamos em ambientes a 23 ou 24 graus. Aqui, não importa onde você esteja, as mãos sempre estão frias.

Sorte que isso dura poucos dias. Ou teríamos de rever, seriamente, as nossas construções. Porque passar esse friozinho a 10 graus parece piada. De mau gosto.

Na fronteira

Outro dia, o Andrei, um amigo do Canadá, me perguntou, pelo MSN, se já nos adaptamos ao Brasil depois de um ano. Digitei rapidamente, "acho que sim" e fiquei surpresa com as palavras na tela. Acho que sim? Demorei alguns segundos olhando para aquela frase. E apertei a tecla "enter".

Depois de 1 ano, voltei a ter emprego fixo. Temos uma rotina, uma hortinha e uma faxineira a cada 15 dias. Sabemos os preços do supermercado, o itinerário dos ônibus e as manchetes dos jornais. No começo, hesitamos, mas foi preciso pôr os pés no chão novamente e sentir cada pedacinho da superfície. Eles precisam estar assim, bem plantados na terra. Para nos dar força para o próximo salto.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Todo mundo tem uma teoria

Já reparou na quantidade de bobagens que você tem ouvido sobre o acidente com o avião da TAM na semana passada? O que mais ouço falar é que a culpa é do Lula, aliás, ele é o culpado de qualquer coisa neste país.

Quando soube do acidente, eu estava no intervalo da aula. Senti uma dor aguda no peito, uma vontade de chorar. Não demorou um minuto para eu ouvir de um mané que a culpa era do Lula.

Antes de prosseguir, eu queria deixar claro que não sou lulista, petista ou governista. A única coisa que me irrita profundamente é essa visão rasa das coisas e esse latente desconforto da classe média com um presidente operário. Tudo, de unha encravada a crise aérea, tem culpa dessa "gentalha" que ousa vestir roupas caras em Brasília.

Outra coisa que tenho ouvido é que o povo, essa entidade desconhecida, não se manifesta contra a absurda crise aérea. "Brasileiro não se mexe", repete o brasileiro imóvel. "É assim mesmo", lamenta. Também já escutei teorias que transformam as companhias aéreas, vejam só vocês, em vítimas!

Agora a pior eu ouvi no caixa do supermercado do Futurama.

- Estão falando que foi terrorismo, disse um sujeito na fila.

Aguardem, daqui a pouco alguém vai falar em extraterrestres. E o assunto vai esfriando...

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Por que hoje não é feriado?

Fiquei me perguntando isso na cama hoje de manhã, enquanto caía uma chuva torrencial lá fora. Tenho certeza que 23 de julho é dia de alguma coisa porque soa nome de praça ou avenida.

Uma vez, quando eu tinha 9 anos, eu acordei por volta das 9h de uma segunda-feira e fiquei apavorada com a idéia de chegar atrasada à aula da Tia Nanci, minha professora da terceira série. Vesti minha camisa branca, a saia plissada xadrez, as meias brancas e corri para o quarto dos meus pais.

- Mãe, mãe, tô atrasada!
- Volte a dormir, filha, o presidente morreu.

Desde aquele dia, eu me pergunto por que o Tancredo não morre todas as segundas-feiras, principalmente as chuvosas.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

A vida, às vezes, é filme

Este vídeo é para comemorar o primeiro ano do resto das nossas vidas:

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Delicadeza

Este curta faz parte do filme "Paris Je t'aime" e é uma graça!

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Sempre o Contardo!

A qualidade do texto do Contardo Calligaris sempre me impressiona. A coluna dele que reproduzo abaixo é um soco no estômago.

Quadrilhas de canalhas
Está com medo de tornar-se doméstica ou prostituta? Bata em pobres, índios e putas

EM POUCAS linhas, na Folha de sexta, dia 29 de junho, Eliane Cantanhêde descreveu perfeitamente o mundo no qual é possível que rapazes de classe média queimem um índio pensando que é "só um mendigo" ou espanquem uma mulher pensando que é "só uma prostituta". Provavelmente, não teria sido muito diferente se eles tivessem pensado que era só uma empregada doméstica.
É um mundo em que a permissividade é o melhor remédio contra a inevitável insegurança social. Nesse mundo, os pais fazem qualquer coisa para que seus rebentos acreditem gozar de um privilégio absoluto; esse é o jeito que os adultos encontram para acalmar sua própria insegurança, para se convencer de que eles mesmos gozam de privilégios garantidos e incontestáveis. Como escreveu Maria Rita Kehl no Mais! de domingo passado, nesse mundo, aos inseguros não basta ser cliente, é preciso que eles sejam clientes especiais.
Uma classe média insegura é o reservatório em que os fascismos sempre procuraram seus canalhas. Você está com medo de perder seu lugar e, de um dia para o outro, tornar-se índio, mendigo ou empregada doméstica? Pois é, pode bater neles e encontrará assim a confortável certeza de seu status. Aos inseguros em seu desejo sexual, aos mais apavorados com a idéia de sua impotência ou de sua "bichice", é proposto um remédio análogo. Você provará ser "macho" batendo em "veados" e prostitutas.
Há mais um detalhe: a inteligência humana tem limites, a estupidez não tem. Essa diferença aparece sobretudo no comportamento de grupo. Imaginemos que a gente possa dar um valor numérico à inteligência e à estupidez. E suponhamos que o valor médio seja dois. Pois bem, três sujeitos mediamente inteligentes, uma vez agrupados, terão inteligência seis. Com a estupidez, a coisa não funciona assim: a estupidez cresce exponencialmente. A soma de três estúpidos não é estupidez seis, mas estupidez oito (dois vezes dois, vezes dois). Quatro estúpidos: estupidez 16. Cinco: estupidez 32.
Curiosamente, essa regra vale até chegar, mais ou menos, a um grupo de dez. Aí a coisa tranca: a partir de dez, torna-se mais provável que haja alguém para discordar da boçalidade ambiente. Não porque, entre dez, haveria necessariamente um herói ou um sábio, mas porque, num grupo de dez, quem se opõe conta com a séria possibilidade de que, no grupo, haja ao menos um outro para se opor junto com ele.
Esse funcionamento, por sua vez, decai quando o grupo se torna massa. É difícil dizer a partir de quantos membros isso acontece, mas não é preciso que sejam muitos: um grupo de linchamento, por exemplo, pode desenvolver toda sua estupidez coletiva com 20 ou 30 membros.
Em alguns Estados dos EUA, é permitido dirigir a partir dos 16 anos. Mas, em muitos condados desses Estados, vige uma lei pela qual um jovem, até aos 21 anos, só pode dirigir se houver um adulto no carro. Pouco importa que esse adulto seja habilitado a se servir de um carro. O problema não é a perícia do motorista, mas o fato estatístico de que três, quatro ou cinco jovens num mesmo carro constituem um perigo para eles mesmos e para os outros: o grupo de "amigos" potencializa a estupidez de cada um, muito mais do que sua inteligência. Talvez seja por isso, aliás, que, para o legislador, a formação de quadrilha é um crime em si.
Qualquer pai de adolescente reza ou deveria rezar para que seu filho encontre rapidamente uma namorada e passe a sair na noite com ela, não com a turma dos amigos. Pois a turma é parente da gangue.
Como se sabe, o pai de um dos cinco jovens que, na madrugada do dia 23 de junho, na Barra da Tijuca, espancaram Sirlei Dias de Carvalho Pinto, comentou, defendendo o filho: "Prender, botar preso junto com outros bandidos? Essas pessoas que têm estudo, que têm caráter, junto com uns caras desses?". É o desespero de quem sente seu privilégio ameaçado: como assim, tratar a gente como qualquer um?
Não éramos "clientes especiais"?
Mas as frases revelam também a distância entre o filho que o pai conhece em casa (o filho que teria "caráter") e o filho que se revela na ação do grupinho (esse filho não tem "caráter" algum).
O que precede poderia ser entendido como uma atenuante, tipo: eles agiram assim não por serem canalhas, mas por estarem em grupo. Ora, cuidado: o grupo não produz, ele REVELA os canalhas.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

1 ano

365 dias com os pés no Brasil. Mas a cabeça ainda fica longe, bem longe.
Outras vezes, o pensamento foge lá para dentro, se esconde. O olhar se perde e nos perguntamos o que, diabos, estamos fazendo da vida. E o que, afinal, queremos dela.

Eu sei, a gente tem jeito estranho. Um jeito estrangeiro. Um jeito esquisito, bem esquisito. Mas a gente sabe que, neste momento, uma porção de pessoas está vivendo isso. E entendendo cada palavra deste desabafo.