quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Lucidez ou mau humor?

Às vezes, a sensação de desencaixe fica mais forte.
Exemplos:

Não consigo acreditar em uma vírgula da matéria abaixo
Taleban afirma que Cheney era principal alvo de atentado

Não consigo assistir a 5 minutos de novela
- sem me chocar com a quantidade de clichês e bobagens dos diálogos
- sem rir dos trejeitos de sempre de Tarcísio Meira, Edson Celulari, Helena Ranaldi & Cia
- sem rolar de rir com as caretinhas da Regina Duarte e a musiquinha que sobe cada vez que ela aparece em situação "meiga" com a filhinha

Não consigo prestar atenção na previsão do tempo
Os bracinhos de Horácio das mocinhas que apontam o mapa são sensacionais. Ou o blazer da fulana está rasgado no sovaco ou alguém avisa no ponto que elas estão com uma "pizza" embaixo dos braços

Não consigo assistir a alguns filmes brasileiro sem pensar
- no quanto aquele diretor embolsou para fazer aquele lixo
- na quantidade de vagabundos que mamam nas tetas do MinC
- nos longas que são feitos para, de fato, não serem vistos
- na imprensa chapa branca fingindo que nada está acontecendo

Não consigo assistir a um filme caro e horroroso de Hollywood sem pensar
- na quantidade de dinheiro lavado neste planeta
- nas criancinhas com fome
- na falta que esse dinheiro faz em países como o nosso

Não consigo ver aquelas propagandas na TV sobre séries americanas sem me perguntar se o próximo lançamento terá como tema:
a) advogados
b) detetives forenses
c) forças sobrenaturais/ETs
d) médicos
e) todas as alternativas acima
O Martim e eu bolamos a receita de sucesso. Um apartamento com quatro amigos muito loucos: um advogado, um detetive, um ET e um médico.

Ok, ok, pode nos chamar de mal-humorados. É muito melhor do que ouvir que somos lúcidos.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

São Paulo é uma cidade indoor


As palavras acima foram ditas por uma colega do flamenco que trocou Buenos Aires por São Paulo. Não, ela não se apaixonou perdidamente pela capital paulista. Como a maioria dos estrangeiros daqui, ela veio a trabalho. Parece gostar minimamente da cidade, mas lembra que os maiores atrativos ficam entre quatro paredes.

Revirando as minhas pastas antigas no computador, encontrei um texto que escrevi após ter voltado ao Brasil. Naquela semana, eu estava com caxumba e um pouco deprimida com o que encontrei por aqui.

"Primeiro foi o jardim. Com os filhos crescidos e o transporte público caquético, o pai decidiu pôr fim à grama crescida e dar lugar a modelos populares que levassem a família, em segurança, para os mais longínquos destinos da região metropolitana. Poucos vasinhos resistiram na fachada da nova casa, tomada por cimento, cerâmica e nenhuma imaginação. Eram violetas, samambaias e begônias de supermercado, acomodadas em potes de margarina e panelas corroídas.

Depois foi a vez da mureta onde as crianças descansavam no meio da tarde. Agora era a vez do portão de alumínio com lanças que evitariam a entrada de gatunos. Era preciso zelar os dois veículos que se apertavam na pequena garagem por onde, antigamente, as crianças costumavam correr. Isso sem contar os aparatos eletrônicos, conquistados a duras prestações e que, aos poucos, iam tomando conta dos cômodos da residência.

O portão de alumínio não durou muito tempo. Nem as lanças, nem a grossa corrente com cadeado envolvendo as grades impediram o desaparecimento do toca-fitas de um dos carros. Como semanalmente a caixa de correios era entupida por folhetos de propaganda de portões automáticos, o pai não teve outra escolha. Equipou a casa com a nova parafernália e se rendeu ao vigilante noturno da rua, que mensalmente passava pelas portas atrás de contribuições para garantir a paz e tranquilidade dos moradores.

E foi assim que a interiorana rua daquela cidade foi mudando. Desapareceram árvores, cresceram muros, surgiram antenas. Não havia mais bicicleta, nem bola, nem conversa no portão. Do alto das novas lajes e paredes recém-pintadas, vinha a fumaça de churrasco. Os encontros, agora mais escassos, eram animados por viodeokês, videogames e DVDs. 'Não se esqueça de acionar o alarme ao estacionar na rua!', gritava a mãe. 'Fique de olho nos semáforos se voltar tarde para casa!', repetia a tia. 'Cuidado para não deixar a bolsa à vista dos marginais!', alertava a TV.

Ela estava um pouco assustada. Não entendia como passou 28 anos absorta nessa vida. Até dois anos atrás, ela achava normal fazer fila para estacionar o carro no shopping apenas para sacar dinheiro num caixa eletrônico. Considerava absolutamente razoável passar semanas sem caminhar pelo bairro ou pelo centro da cidade. O melhor a fazer era aproveitar o final de semana para se trancar em casa com muitos DVDs, passar o dia fechada na casa de amigos ou se aventurar rapidamente pela cidade e ficar segura dentro de algum estabelecimento. Mas um dia, felizmente, ela se deu conta que a vida não precisava ser assim, vista de trás das grades. Ela só não sabia ainda se essa vida sem travas voltaria a acontecer um dia no Brasil."


Duas semanas depois de ter sido assaltada e uma semana após minha família ter sido vítima de tentativa de extorsão por supostos sequestradores, eu ainda me pergunto: será que vivemos aqui por pura teimosia?

sábado, 17 de fevereiro de 2007

Para animar a festa...


Salve simpatia!


Para animar a festa...


Boa noite, boa noite, bom dia!


Este é o nosso Carnaval. Beeeeem longe das avenidas, dos foliões e do cheiro de mijo. Afastados das redações, das histerias e de manchetes desimportantes. Graças a Deus!

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Economia de alertas

Conhecem a expressão "Mind the gap"? Ela está em avisos de metrôs pelo mundo. É repetida incessantemente nas caixas de som das estações. É atração para turistas engraçadalhos como nós, que adoram imitar sotaques locais.

Para quem não sabe, "Mind the gap" significa algo como "Atenção com o vão" e serve para alertar os usuários sobre o perigo daquele espacinho entre o trem e a plataforma. Em Madri, eles não economizam nas palavras.

"Atención! Estación en curva. Tengan cuidado para no introducir el pie entre coche y andén."

Enquanto isso, em São Paulo, a ordem parece ser economia de avisos. Raramente ouço mensagens como essa e nunca vejo placas com tal informação. Vai ver que é porque estamos num país de espertos. Ninguém é besta por aqui a ponto de enfiar o pé naquele buraco, não é mesmo? Não há velhinhos, deficientes, nem gente distraída.

Foi por isso que o Martim criou uma frase sucinta e bastante didática para ser usada nas estações paulistanas:

- Atenção. Não seja mané!

Simples, objetivo e esperto. Assim como deve ser nos padrões locais.

sábado, 10 de fevereiro de 2007

O ladrão cordial

Sérgio Buarque de Holanda já falava do homem cordial em "Raízes do Brasil", de 1936. Nesta semana, tive contato com essa cordialidade. Foi na noite chuvosa de quarta-feira, perto da estação Sumaré. Enquanto eu caminhava pela calçada, um rapaz de bermuda, camiseta e boné se aproximou de mim. Achei que ele queria uma informação. Ele me pediu dinheiro. Pensei que quisesse uns trocados. Foi aí que a ficha caiu.

- Me passa o dinheiro e o celular, rápido!

Com uma mão eu segurava o meu guarda-chuvas, com a outra revirava a bolsa.

- Você pode me deixar os documentos?
- Posso, mas vai logo, moça!

Foi aí que veio a gentileza. Para me ajudar a vasculhar os meus pertences com mais rapidez, ele segurou o meu guarda-chuvas. Com uma mão ele apontava a arma. Com a outra, me protegia das pesadas gotas que caíam sobre a cidade. Se ele tivesse uma terceira, talvez me faria um joinha.

Lá se foi o meu velho celular e R$ 70 que eu tinha para pôr créditos no meu bilhete único. Junto com eles, foi um pouco da minha ingenuidade. Desde que voltei ao Brasil, achava que havia ficado paranóica demais. Foram cinco assaltos na minha vida, é verdade, mas de julho para cá, achei que dava para viver bem por aqui tomando os devidos cuidados.

É, dona Marta, bem-vinda a São Paulo. Bem-vinda à realidade!

O ladrão cordial parte II

Conheço uma história melhor ainda sobre banditismo gentil. Aconteceu com uma amiga da minha mãe há alguns anos. Um dia, o filho dela usou o carro da família para ir à casa da namorada. Ao voltar ao lugar onde havia estacionado o veículo, ele se deu conta do furto.

Dias depois, a mãe dele recebe o seguinte telefonema.

- Alô, por favor, a Cleusa?
- Sou eu.
- Oi, dona Cleusa, aqui é o ladrão que roubou o seu carro. Eu achei um extrato bancário em seu nome e vi que a sua conta está negativa. Eu queria devolver o seu carro...

Pouco depois, o carro reapareceu em frente à casa da namorada do filho da Cleusa. Mais tarde, um novo telefonema.

- Alô, dona Cleusa? Eu devolvi o carro. Está tudo direitinho?
- Está faltando o carregador de celular do meu filho.
- Ah, pode deixar que eu devolvo.

O carregador foi encontrado enrolado numa planta do jardim da casa da namorada do filho da Cleusa. Intacto.

A história é tão insólita que virou tema da pecinha das crianças na festa de Natal da família. Tão curiosa que merece ser contada quantas vezes for preciso.

domingo, 4 de fevereiro de 2007

O sentimento é o mesmo

Assistindo a um programa na Globo News sobre o cinema alemão, entendi que todo estrangeiro ou filho de estrangeiro sente a mesma coisa. Em entrevista ao "Starte", o ator turco Birol Ünel, protagonista do filme turco-alemão "Contra a Parede" (de Fatih Akin, 2004), disse estar farto das perguntas sobre a origem dele. Quando perguntado de onde é, ele, que mora na Alemanha desde criança, costuma responder:

- Em primeiro lugar, vim da minha mãe. Mas se você quer saber, a minha pátria é a sujeira embaixo dos meus sapatos.

Assino embaixo.